A cultura da morte como metáfora em Manuel Bandeira:
Traçando um paralelo entre o poema “Momento num café” com a obra, "O
homem perante a morte", do historiador francês Philippe Áries.
Momento num café
Quando o enterro passou
Os homens que se achavam no café
Tiraram o chapéu maquinalmente
Saudavam o morto distraídos
Estavam todos voltados para a vida
Absortos na vida
Confiantes na vida.
Um no entanto se descobriu num gesto largo e demorado
Olhando o esquife longamente
Este sabia que a vida é uma agitação feroz e sem finalidade
Que a vida é traição
E saudava a matéria que passava
Liberta para sempre da alma extinta.
O poema Momento num café foi
escrito por Manuel Bandeira já em seus últimos anos de vida, fazendo uso de versos
elaborados de maneira livre, os quais exprimem uma proximidade muito íntima do
poeta com a morte. Escrito em terceira pessoa, o poema expressa em suas duas
pequenas estrofes uma visão materialista e até irônica do mundo, fazendo uma
abordagem de temas universais a partir de elementos do cotidiano, na medida em
que procura inverter a relação tradicional entre a alma e o corpo.
Neste poema, além de retratar cenas típicas e cotidianas, como era de costume
na poesia modernista, Manuel Bandeira mostra ainda que a poesia pode surgir em
qualquer lugar e em qualquer ocasião, sendo concebida até nos momentos mais
simples do dia-a-dia. Na visão do poeta, a beleza pode se esconder nas coisas
mais simples da vida. Por outro lado, devido a sua constante proximidade com a
morte (se descobriu tuberculoso ainda cedo) Bandeira consegue retratar
muito mais do que o fazer poético através de cenas cotidianas; percebe-se uma
espécie de mensagem subliminar em seus versos, a iniciar pelo título: Momento
num café, que de certa forma pode lembrar: “Momento nunca fé”, transformando o
poema numa crítica real à fé religiosa. A cena de um cortejo funerário é uma simbologia
indiscutivelmente sóbria acerca da temática morte. De acordo com o historiador francês Philippe
Áries, em sua mais importante obra, O homem perante a morte (escrita em dois
volumes), podemos encarar a morte como algo regulado por um ritual habitual,
porém, sempre descrito com complacência. Mesmo porque a morte comum,
considerada normal através das gerações que nos precederam, não surge de forma
traiçoeira. Entretanto, ainda segundo o autor, o homem procura agora suprimir a
morte da vida cotidiana com um pavor nunca antes visto, não antes imaginado. Como
ele mesmo cita, aquele tipo de morte clandestina que não teve testemunhas nem
cerimônias, a do viajante ignorado no caminho, do afogado no rio, do atropelado
ou desconhecido cujo cadáver se descobre à beira de um campo, ou mesmo do
vizinho fulminado sem razão. Para ele, essa crença secular de que a morte avisa
e que atravessou os tempos, sobreviveu muito tempo nas mentalidades populares.
Na coerência absoluta do poema de Bandeira, é notável o fato
de que todos os homens do café tiram o chapéu maquinalmante, saudando o morto de
forma fria e um tanto distraída. No entanto, há um deles que “se descobriu num
gesto longo, demorado,” e olhando longamente para o ataúde “este sabia que a
vida é uma agitação feroz e sem finalidade”, colocando-se claramente em dúvida
quanto à principal base da fé cristã, que é justamente a vida após a morte, a
esperança da eternidade. Os dois últimos versos aferem positivamente essa
observação, uma vez que a ideia de uma alma extinta não condiz com o pensamento
de homens comuns.
Em seus estudos sobre a história do homem diante da morte, Philippe Áries observou as suas relações e as inúmeras interpretações e significações durante a vida de um ser humano, as quais favorecem como também enfatizam atitudes ou maneiras simbólicas vinculadas ao tema morte. De uma maneira um tanto particular, Manuel Bandeira também o fez, embora voltado mais intencionalmente para os seus próprios problemas de saúde. Áries procurou ainda uma explicação para o comportamento do homem diante da morte na sociedade cristã ocidental, desde o início da Idade Média até o momento em que concluiu suas pesquisas. Para ele os povos antigos temiam a vizinhança dos mortos e os mantinham sempre a distância. No entanto, veneravam as sepulturas, em parte porque temiam a volta dos mortos. Com o tempo, essa repugnância à proximidade dos mortos foi cedendo entre os cristãos antigos, e os vivos deixaram de temer os mortos.
A tematização da morte tem um destaque acentuado na longa trajetória poética de Manuel Bandeira. Com uma visão altamente subjetiva da morte e ao mesmo tempo tão realista, o poeta trabalhou como ninguém esse tema, priorizando a metáfora poética ao elaborar seus versos.
Em seus estudos sobre a história do homem diante da morte, Philippe Áries observou as suas relações e as inúmeras interpretações e significações durante a vida de um ser humano, as quais favorecem como também enfatizam atitudes ou maneiras simbólicas vinculadas ao tema morte. De uma maneira um tanto particular, Manuel Bandeira também o fez, embora voltado mais intencionalmente para os seus próprios problemas de saúde. Áries procurou ainda uma explicação para o comportamento do homem diante da morte na sociedade cristã ocidental, desde o início da Idade Média até o momento em que concluiu suas pesquisas. Para ele os povos antigos temiam a vizinhança dos mortos e os mantinham sempre a distância. No entanto, veneravam as sepulturas, em parte porque temiam a volta dos mortos. Com o tempo, essa repugnância à proximidade dos mortos foi cedendo entre os cristãos antigos, e os vivos deixaram de temer os mortos.
A tematização da morte tem um destaque acentuado na longa trajetória poética de Manuel Bandeira. Com uma visão altamente subjetiva da morte e ao mesmo tempo tão realista, o poeta trabalhou como ninguém esse tema, priorizando a metáfora poética ao elaborar seus versos.
Paulo A. Vieira,
maio/2014
REFERÊNCIAS
Áries, Philippe - O homem perante a morte (volume I) - Editions
du Seuil. 1977
Publicações Europa-América, LTDA
Bandeira, Manuel
– Momento num café – (buscar referência...)
Um ótimo paralelo entre as duas obras. Manuel Bandeira foi um poeta muito a frente de seu tempo.
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