ANÁLISE DE TEXTOS EM PARALELO AO FILME
O AUTO DA COMPADECIDA
Uma identidade nacional é formada a partir de uma série de expressões
culturais, micro-identidades que, juntas, compõem uma identidade maior,
reforçando o conceito de nação. Segundo Moacir dos Anjos, a Globalização vem
alterando as formas de representação visual de identidades e culturas,
questionando normas discursivas referentes à exposição das diferenças. Nesse
contexto, enquadra-se aqui a identidade cultural do Nordeste brasileiro, onde
por muito tempo encontrou-se “impermeável” à produção simbólica de outros
espaços.
Nessa conjuntura, o filme O Auto da Compadecida, do diretor
pernambucano Guel Arraes (2000), baseado na obra homônima do autor paraibano
Ariano Suassuna (1955), traz à tona a discussão acerca da construção de uma
identidade, fundamentada em um cenário do Nordeste brasileiro: o sertão. Ao
utilizar o Nordeste e algumas de suas figuras, Suassuna apropria-se do típico e
consegue universalizar suas personagens à altura de outras renomadas obras.
O filme
O Auto da compadecida, uma peça
teatral adaptada para o cinema, é aqui analisado como obra dramática, um
legítimo documento sobre a sociedade brasileira. A história se passa no sertão
da Paraíba, local pobre e árido, onde o esperto João Grilo (Matheus
Nachtergaele) tenta sobreviver tendo por companheiro Chicó (Selton Melo), um
confuso acompanhante na sua lida diária. João Grilo e Chico, de uma maneira
geral, simbolizam o Brasileiro em suas dificuldades e na luta diária pela
sobrevivência. Com o fluxo global de informações, percebe-se que esse quadro
local de tradições se rompeu e a hegemonia dos espaços de difusão midiática,
pouco a pouco, estão sendo adaptados às inúmeras culturas regionais.
Ainda de acordo com Moacir dos Anjos, a identidade cultural é uma
construção fincada em tempo e espaço específicos, portanto, em permanente estado
de formação. Não se trata, portanto, de construções atemporais, nem de um
núcleo imutável de crenças. Na obra O
Auto da Compadecida, uma história que se baseia justamente na crença e na
miséria de um povo sofrido do Nordeste brasileiro, percebe-se que a trama, de
certa forma, não se prende a circunscrições espaciais definidas. Existe uma
noção de identidade cultural bem definida que é instada a mover-se no âmbito do
que parece ser espontâneo e territorializado para o campo aberto do que é
constante (re)invenção.
Nessa conjunção, segundo Moacir, entra ainda o termo Transculturação,
que invoca a contaminação mútua, em um mesmo tempo e lugar, de expressões
culturais antes separadas por injunções históricas e geográficas.
Por outro lado, Baumman e Vecchi falam da identidade pelo olhar das
pessoas, as quais se vêem invariavelmente diante de uma tarefa intimidadora de
“alcançar o impossível”. Embora saibam que isso não vai ocorrer enquanto o
“pertencimento” continuar sendo o destino de muita gente. Podemos comparar isso
com a personagem de Chicó, do Auto da
Compadecida, a qual só consegue fugir do seu próprio destino quando sonha,
exagerando em suas elucubrações, imaginando-se um herói das causas impossíveis.
Entretanto, ainda segundo Baumman e Vecchi, na imaginação sociológica, a
identidade é algo sempre evasivo, uma realidade preexistente. Pois, de acordo
com Émile Durkheim, a identidade deve ser considerada um objetivo na vida das
pessoas. Para Baumman e Vecchi, a fragilidade e a condição eternamente
provisória da identidade não podem ser mais ocultadas.
Em seu entendimento, Baumman e Vecchi apontam para a nossa época
líquido-moderna, em que o indivíduo livremente flutuante, desimpedido, é o
herói popular. Pode-se constatar isso nas proezas de João Grilo, a personagem
central do Auto da Compadecida, ao
vê-lo arquitetar suas artimanhas e malandragens em nome da própria
sobrevivência. “Estar fixo”, no entanto, ser “identificado” de modo inflexível
e sem alternativa, é algo cada vez mais malvisto.
Stuart Hall, na tradução de Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro,
enxerga a identidade cultural na pós-modernidade como uma questão amplamente
debatida na teoria social. Ele avalia as consequências do que pode vir a ser
uma “crise de identidade”, em que ela consiste e em que direção está indo. Para
tanto, ele distingue três concepções bem diferentes de identidade.
Na Obra o auto da Compadecida
podemos observar os reflexos dessas concepções de identidade em cada uma das
personagens, uma vez que o autor Ariano Suassuna, apesar de se restringir
apenas ao uso coloquial dos ingredientes e das personagens em seu roteiro original,
ainda assim deixa uma margem de interpretação posterior, proporcionando uma
perfeita interação entre o Eu de suas personagens – seja Chicó, João Grilo, o
Padre, a mulher promíscua... – e a nossa sociedade atual. Misturam-se aqui
elementos visíveis do tradicional até o mais moderno.
Um aspecto desta questão é no que se refere ao processo de mudança
mundialmente conhecido como globalização, que tem um impacto efetivo sobre a
identidade cultural. Esbarra-se aqui, portanto, numa prévia distinção entre
sociedades tradicionais e sociedades modernas.
Nas sociedades tradicionais, o passado e os símbolos são valorizados
porque perpetuam a experiência de gerações. Nas sociedades modernas, as
práticas sociais e costumes são constantemente examinados, alterando, assim, seu
caráter constitutivo.
Paulo A. Vieira, outubro/2012
Muito bom o texto, Parabéns.
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