Hoje, 18 de dezembro de
2015, há exatos cinco anos iniciei este Blog, um trabalho que eu esperava
render por apenas um ano ou, talvez, um pouco mais. No entanto, não parei mais
de produzir material para as publicações aqui realizadas, sejam artigos, textos
literários, cordéis, poesias diversas, entre outros.
Um ano atrás, nesse mesmo
dia, publiquei aqui o cordel que escrevi sobre a vida de João de Carminho, uma
pequena biografia em versos sobre um dos homens mais valentes que a cidade de Queimadas
já conheceu. Hoje, portanto, estou postando aqui o perfil biográfico que
escrevi sobre João de Carminho e que gerou esse cordel, um texto mais detalhado e que inclusive,
foi publicado no livro do professor Ezequiel Lopes, lançado recentemente.
HISTÓRIAS E MITOS DE JOÃO DE CARMINHO: UMA PERSONAGEM
DO IMAGINÁRIO QUEIMADENSE
por Paulo Seixas
Uma das figuras
folclóricas mais notórias e também mais temidas de toda a história queimadense,
João de Carminho, como era popularmente conhecido João Batista Barbosa, nasceu
neste mesmo município, na comunidade do sítio Riacho do Meio, em 22 de novembro
de 1922. Filho de Manoel do Carmo Barbosa - Seu Carminho - e de Sebastiana
Ermínia do Carmo, João viveu toda a sua infância e adolescência na fazenda da
família (a qual se mantém até hoje, em parte, preservada), convivendo com mais outros
dez irmãos.
Dono de uma personalidade
forte e bastante viril, o seu temperamento “hostil” e a sua fama de homem
valente e brigão se espalharam rapidamente por toda a região e circunvizinhanças,
transformando-o ainda jovem em uma lenda viva. Uma pessoa que, segundo consta,
não gostava de ser contrariada. Era temido por suas atitudes bastante audaciosas,
embora nem sempre tão louváveis, com histórias que envolviam todo um universo
de bravuras e intrepidez. De acordo com os seus familiares mais próximos, durante
sua mocidade ele fora um exímio cavaleiro (reza a lenda, ele saltava porteiras
fechadas a galope) e ainda um grande corredor de vaquejadas, um jovem impetuoso,
aventureiro e de uma energia sem limites, valorizando, sobretudo, as coisas do
campo.
De
família nobre, tradicionalmente religiosa e de muitas posses, isso lhe permitia
gozar de uma situação financeira confortável, desfrutando de uma vida cômoda nos
idos das décadas de 1940 e 1950. Frequentou a escola e cursou o equivalente
hoje ao ensino fundamental, porém não seguindo adiante nos estudos. Entretanto
foi a sua paixão pelos esportes, em especial, pelo fisiculturismo, que o levou
em busca de novos horizontes. Inclusive, chegou a fazer parte da equipe de desporto
da Marinha, no antigo Estado da Guanabara, Rio de Janeiro, onde teve contato direto
com pessoas importantes da esfera política. Dessa forma, passou a vestir o
uniforme branco das forças armadas, sendo um militar efetivo da Marinha
durante, pelo menos, quatro anos de sua vida.
Segundo algumas pessoas
que conviveram com João de Carminho, ele era um homem de moral e de muito respeito,
especialmente com as mulheres. Uma pessoa que, acima de tudo, sabia como ninguém
conservar amizades importantes, procurando manter um vínculo estreito com os
cidadãos influentes do lugar. Por outro lado, há aqueles que defendem a ideia
de que ele não passava, na verdade, de um grande desordeiro, um “play boy” de
sua época e causador de confusões. Opiniões antagônicas, este é um assunto que quase
sempre gerou controvérsias, embora muitos concordem com o fato de que, a
maioria de suas brigas - onde geralmente ele era provocado - se dava pelo
consumo excessivo de álcool. O álcool foi, talvez, a sua única e verdadeira
fraqueza, dominando-o em boa parte de sua vida.
Pelo que se sabe, João de
Carminho era o tipo de pessoa que não temia ninguém e que jamais levava
desaforos para casa, seja por qual motivo fosse. Se necessário, comprava até brigas,
enfrentando mais de um homem em luta corporal, sempre em defesa da honra e da
família. Por várias vezes atentaram contra sua vida, marcando o seu corpo com
diversas cicatrizes de perfurações e cortes.
Em analogia aos versos de
Amazan, João de Carminho até poderia se identificar em alguns trejeitos com a
personagem fictícia de Tranca-rua, um estereótipo criado pelo poeta exatamente
para descrever esse tipo de perfil. Figuras que num passado não muito distante conseguiam
se impor em meio à sociedade (seja através do medo ou mesmo pelo respeito),
principalmente nas comunidades rurais, “amedrontando” pessoas devido ao seu
porte físico ou mesmo pela habilidade com armas.
“Tranca-rua
era um cabôco
Com
dois metro de altura,
Os
braço era aqueles toco
As
perna dessa grossura (...)
De
forma que a cidade
Num
tinha tranquilidade
No dia
qu’ele bebia,
Pois
quando se embriagava
Dava a
gôta, bagunçava
E
prendê-lo ninguém podia.”
De fato, a simples
presença de João de Carminho em certos lugares fazia muita gente tremer, um
homem cujo aspecto corporal era bastante avantajado, e por isso mesmo chegava até
a intimidar. Praticante de exercícios um tanto puxados, durante toda vida
procurou manter sua boa forma física através de levantamento de pesos,
utilizando alguns halteres artesanais que seriam impensáveis para um homem
comum. Além de sua enorme agilidade e destreza com armas de fogo - herança de
sua época enquanto militar - o que o transformava em um eminente atirador, possuidor
de uma excelente pontaria. Apesar de que, segundo afirmações seguras de familiares,
parentes e amigos mais próximos que conviveram com João, ele nunca assassinou ninguém,
contrariando a ideia de que pudesse vir a ser um pistoleiro.
Justamente por conta do
seu comportamento imprevisível, por vezes agressivo e um tanto fora dos padrões,
várias histórias começaram a surgir em torno de seu mito, especialmente após a
sua morte. E não são poucas, onde boa parte delas enaltece a sua figura,
enquanto outras o colocam em pé de igualdade com um bandido, um fora da lei. Entretanto,
a maioria dessas narrativas são distorcidas ou simplesmente fantasiosas,
verdadeiros absurdos e que, pouco a pouco, vêm sendo desmistificadas.
Há alguns relatos, por
exemplo, de que João de Carminho invadia casas durante festas de casamentos,
sempre montado em seu cavalo, numa atitude de afrontamento e de total
desrespeito aos presentes. E o que era pior, de acordo com algumas histórias
levantadas e até hoje propagadas pelo povo, ele sequestrava a mulher recém
casada com a qual mantinha, à força, relações íntimas durante uma noite (como o
faziam os antigos cangaceiros), devolvendo-a no dia seguinte para o marido
inconformado. No entanto, esse é o tipo de história incoerente e que não
procede, indo de encontro com o seu histórico de relações pessoais e afetivas.
Contudo, a ideia de que pudesse
forçar mulheres para ficar com ele é algo que não ficaria completamente
descartado, podendo ter surgido, talvez, de algum acontecimento isolado e do
qual ninguém nunca ousou testemunhar. Possivelmente, em algum momento infeliz
de sua vida, no qual se encontrava sob efeito do álcool e não agindo de acordo
com os seus verdadeiros princípios. Ainda assim, segundo declarações de parentes
e amigos, João de Carminho jamais cometeria coisa parecida, até pelo seu reconhecido
caráter e pela consideração que ele demonstrava perante as mulheres. Pelo
contrário, o mais provável é que ele procurasse defender a honra delas, uma vez
que fossem desrespeitadas ou molestadas por alguém. Portanto, são histórias
como essas que caem por terra à medida que, em seu estado normal, ele jamais agiria
de tal modo.
Outras histórias, no
entanto, envolvendo desordens de todo gênero e confusões originadas
principalmente por embriagues, podem facilmente ser comprovadas, levando em
conta as condições e a precariedade da justiça na época. Um tempo em que pessoas
influentes e prestigiadas como João de Carminho podiam circular armadas por
todo lugar (uma vez que ele possuía porte), raramente respondendo a um processo
judicial, exceto quando se tratava de algum crime ou incidente maior. Isso não
mudou muito até hoje.
Inclusive, o evento mais
tradicional de Queimadas, a Festa de Reis, que acontece anualmente entre os
dias 05 e 06 de janeiro, fora palco de vários tumultos e arruaças provocadas
por João de Carminho. Que a verdade possa ser dita. Uma dessas confusões ganhou
destaque, quando ele enfrentou no braço um bando enorme de homens, saindo
bastante machucado e perdendo até mesmo um pedaço de sua orelha. Ainda de
acordo com depoimentos de pessoas dessa época, quando ele decidia que iria
aprontar na festa o aviso corria bem depressa, gerando certo suspense na
população e fazendo com que muitos sequer se arriscassem a comparecer nessa noite.
Haja vista que, durante muito tempo, esse evento trouxe consigo uma justa fama
de perigoso, onde inúmeras brigas, “acertos de contas” e óbitos eram bem frequentes.
A cidade de Campina
Grande, em especial, também registrou algumas das inúmeras confusões causadas
por João, com episódios marcados por bebedeiras e por certa violência, embora
não conseguissem tirar dele a credibilidade e a estima de quem o conhecia. Porém,
depois de certa idade e principalmente, devido à sua condição de casado, João
de Carminho afastou-se mais da vida boêmica, dos amigos de farras, passando a
comparecer com menos frequência nos bares da vida. A certa altura da vida, precisamente
entre as décadas de 1960 e 1970, João passou a fazer viagens para o Rio de
Janeiro na companhia de seu pai, transportando pessoas em um caminhão do tipo “pau
de arara”, dividindo-se entre o trabalho, a família e algumas pequenas criações
de animais.
No dia 20 de novembro de
1976, numa tarde de sábado, o ex-policial militar mais conhecido pelo nome de
Edvaldo, abordou João de Carminho na esquina das ruas centrais de Queimadas,
Eunice Ribeiro e João Barbosa da Silva, assassinando-o com cinco tiros à queima
roupa. Na ocasião, ele ainda chegou a ser socorrido pelo saudoso “Biu
carcereiro” que, à época, trabalhando na delegacia local sob o mandato do delegado Zé Rodrigues, possuía um veículo da marca Jipe. Contudo, de nada
isso adiantou. A morte instantânea foi confirmada, sendo o corpo conduzido até
a fazenda de seus pais, bem próximo de onde ele residia àquela época.
João de Carminho faleceu
a dois dias de completar 54 anos de idade, deixando cinco filhos do seu
casamento com Maria José de Albuquerque Barbosa, natural do sítio Capivara, no
município de Queimadas. E, pelo menos, mais outros quatro filhos de
relacionamentos anteriores e mesmo posteriores, uma vez que ele havia se
separado alguns anos antes de vir a falecer. Oficialmente ele fora casado uma única
vez.
As suspeitas de sua morte
permaneceram envoltas em mistério durante muito tempo, um crime com conotações
pessoais e políticas. O assassino, foragido por quase vinte anos, foi a
julgamento em 1996, alguns meses antes do crime prescrever. Embora tendo sido
absolvido, ficou clara a hipótese de que houvera um mandante para este
homicídio.
Queimadas, junho/2014
Li também o seu cordel. Muito boa essa iniciativa de resgatar um mito da história de Queimadas, como João de Carminho. Parabéns!!
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