sábado, 19 de fevereiro de 2011

MINHAS MEMÓRIAS - CAP. 3

CAPÍTULO 3 
VACILOS DA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

Alguns arrependimentos, porém, quase sempre me acompanharam no decorrer da minha vida. Pequenos, sem dúvida, contudo importantes de serem lembrados e até comentados nos seus mínimos detalhes. E, se há muito já não são mais possíveis de se voltar atrás ou de serem evitados a tempo (isso seria a solução para os problemas do mundo), ao menos devem ser passados a limpo, repensados, sem nada a esconder.
Muitas foram as vezes em que, geralmente acompanhado de uns amiguinhos mais endiabrados, eu, que não era nenhum exemplo de menino muito comportado, e nem tampouco o tipo de “flor que se cheirasse” (eu era um anjo para visto de outros), acabava ultrapassando alguns limites da moralidade, frequentemente não respeitando, a rigor, os mais velhos.
Havia, nessa época, 1980/1990, décadas afora, algumas figuras em Queimadas que a molecada em peso não respeitava e, ainda por cima, insultava-as, inclusive eu, despertando nelas um ódio que acabavam por transformar em palavrões ou em pedradas. Nós também atirávamos pedras nelas, mesmo sem machucar, só para ver a ira estampada em suas faces.
Entre os que faleceram (na sua grande maioria) e aqueles que ainda permanecem vivos, como que a zombar de nós e do próprio tempo, lembrarei aqui alguns nomes ou os respectivos apelidos pelos quais outrora eram conhecidos. Pessoas desamparadas que não passavam de pedintes, bêbados, desequilibrados mentais, pobres coitados, mas que não escapavam das minhas provocações, das minhas tentativas infelizes e frustradas de encontrar alguma forma de diversão à custa de suas fraquezas.
Juntamente com estas lembranças, gostaria de fazer também um pedido de desculpas coletivo e bastante atrasado (por mim e por meus “parceiros”). Recordo aqui:
  •  “Zerim” e seu irmão “Bel”;
  •  Seu “Titino”, o avô de Bega;
  •  Seu “Luís Murrão”, o avô de Jonas;
  •  “Boliboca”, lá da Baixa Verde;
  •  “João Cuscuz”, filho de Boliboca;
  •  “Mário Cagado”, o qual João da Cruz imitava-o com perfeição;
  •  “Mané dos Canecos”;
  •  Nestrina, “Gravador”;
  •  Noêmia, “Perna de Mulambo”;
  •  Beatriz e seus mil véus;
  •  “Naora”, que não parava de falar;
  • “Bacanal”, que portava sempre uma faca na cintura;
  • Seu “Pipoca”, um apelido bem sugestivo pelo que ele tanto degustava;
  • “Cururu Viúvo” ou “Seu Petróleo”, não lembro ao certo de onde;
  •  Dona Santa “Pampa”, castigada pelo vitiligo;
  •  Zelau, o nosso antigo coveiro;
  •  Zezito, filho do finado Honório Seleiro (Seu Honório, que disparava bola de gude com estilingue em quem tentasse subir na amendoeira defronte da sua casa);
  •  Inácio “Charuto”, quando bêbado, o nosso eterno tocador de berimbau.

Devido às repreensões e alguns merecidos castigos impostos por meu pai (além de algumas boas surras), devo agradecer até hoje por não ter ido mais além, e por não haver praticado ou participado de coisas das quais eu pudesse arrepender-me amargamente por muito tempo.
Nesse período (hoje é até bem pior) não eram raros os “convites” para praticar alguma coisa errada, estimulando assim a adrenalina como, por exemplo, depredar algum patrimônio alheio, inclusive público. Era também uma prática constante roubar frutas nos quintais desprotegidos ou, então, nas serras adjacentes, principalmente na época da manga e do caju. Eu, na minha plena covardia, assistia a tudo passivamente.
Outra forma de diversão nada convencional, e da qual eu só ouvia falar, consistia em buscar alguma “experiência sexual” estuprando as porcas de Seu Luís Pereira, uma criação que ele mantinha nos fundos de sua padaria. É difícil de acreditar, mas isso realmente acontecia de verdade (eu, da minha parte, preferia espreitar algumas primas tomando banho, mas nada comparado a isso). Alguns amigos, hoje casados, sabem do que estou falando agora, e eu nem imagino o que eles pensariam a respeito disto atualmente.
Um vacilo memorável data aproximadamente da segunda metade da década de 80, quando eu e o amigo João Cabeleireiro (irmão de Pedro) tivemos a infeliz ideia de “distribuir” limonada entre o povo de Queimadas e Campina Grande.
Foi o seguinte: nessa época, quando meu pai ainda possuía veículo de carga, antes mesmo de haver passado por um primeiro processo de perdas e dívidas, porém controlado, eu sempre ia com ele até Campina fazer compras para o nosso mercadinho, e aproveitava para levar comigo algum garoto para ajudar-me e também para fazer-me companhia, a troco de algumas moedas.
Já de caso pensado, eu havia juntado, durante a semana toda, muito limão velho, mais de cem unidades, talvez. E nesse dia, quando convidei o João, a gente já saiu, desde Queimadas, em cima do carro, atirando limão em quem visse pela frente. Chegamos, inclusive, a machucar algumas pessoas, as quais sem perder tempo foram parar lá no Ceasa (no bairro do Alto Branco) atrás de certa camioneta cor de vinho. Na ausência de provas, fomos “inocentados”, mas eu nunca me esqueci daquele episódio, daquela maldade horrorosa que fizemos.
Certa vez extrapolei todos os limites permitidos, quando, juntamente com meu principal parceiro de traquinagens, meu primo distante João da Cruz (do qual guardo até hoje uma cicatriz na perna), pulei o muro do Colégio de Dona Dulce Barbosa, hoje desativado (e o qual eu considerava o quintal, uma extensão da minha casa), para executar uma “missão”.
Conseguimos nesse dia realizar, então, a maior de todas as proezas: espalhamos os arquivos de provas de anos e anos do colégio pelas ruas da cidade. Foi um verdadeiro escarcéu! Promovemos uma grande bagunça, principalmente, com a ajuda de outros garotos. Por fim, ateamos fogo, fazendo assim a maior sujeira pelo local. Isso aconteceu num sábado, à tarde, quando não havia aula.
Dona Dulce era até legal comigo, ao contrário de sua irmã, D. Lourdes, já falecida, mas desse dia em diante ela marcou-me. A minha pouca idade e a consideração que a “coroa” tinha por meu pai livrava-me de muita coisa que eu aprontava naquelas imediações. E também, vamos encarar os fatos, aquele monte de papel velho (dava para encher uma camionete) ia, provavelmente, ser jogado fora algum dia, e a gente só deu uma “mãozinha” para adiantar.
Havia provas tão antigas naquele meio que eu cheguei até mesmo a encontrar, por acaso, uma delas com a assinatura do nosso, até então, professor José Miranda Filho, uma verdadeira relíquia dos anos 60. Lembro-me de havê-la entregue para ele que, por sua vez, achou aquilo muito interessante. O professor Miranda, como tantos outros queimadenses ilustres, foi um ex-aluno de D. Dulce.
A propósito, guardo até hoje todas as minhas provas e trabalhos escolares, desde a 1ª série (antigo primário), um montante de papel velho que me acompanha há muitos e muitos anos. Talvez, algum dia, eu ainda venha a fazer com elas (ou até bem pior) o mesmo que fiz com a minha antiga camisa de concluintes do Ginásio, de 1988 (a qual homenageava a libertação dos escravos), quando, num gesto inusitado, levei-a para o seu lugar de origem, 20 anos depois. Simplesmente a entreguei para minha amiga Suely, na sala de coordenação do Colégio Professor José Miranda, onde há muito estudei, isso diante de alguns professores da minha época. Os alunos que presenciaram a cena não entenderam nada. Foi muito hilário. A camisa, toda “desbotada”, continha as assinaturas de todos os que concluíram comigo.

O saudoso professor José Miranda em fotografia bastante antiga

Lembrando ainda, como jamais poderia esquecer, de um certo “trio da pesada”, formado por mim e os amigos Flaudemir e João da Cruz. Durante todo o ano de 1985, quando então fazíamos a 5ª série (1º ano do antigo ginásio) no Colégio do Professor Miranda, aprontamos de tudo que tínhamos direito. Fosse dentro da escola, durante a aula, no intervalo ou na saída, para nós não importava a hora nem o lugar. Brigas e confusões eram o nosso forte. E a consequência disto, ou melhor, os castigos eram sempre certos, invariavelmente à base de grãos de milho sob os joelhos. Havia até uma certa palmatória, a qual nunca cheguei a experimentar, um alívio maior para o sujeito mais chorão da turma.
Recordo-me, inclusive, que em uma determina época João passou a andar um tanto quanto “endinheirado”, pagando tudo para mim e também para Flaudemir. Desde os melhores lanches ou até mesmo horas de videogames (jogávamos Atari) na casa do amigo Val, na Rua Nova, João era o nosso cofre ambulante.
Coincidentemente, nessa mesma época, o avô de João, o saudoso “Seu Pinto” da Farmácia, e o seu tio Amâncio, nosso amigo “Manso”, notaram que seus bolsos estavam esvaziando-se de forma muito suspeita, e logo logo os “desfalques” de João vieram à tona. Resultado: acabou-se a “verba” para comprarmos bombinhas, figurinhas, sorvetes da Kibon, e tudo mais. E o pior é que João e Flaudemir ainda ficaram reprovados no ano letivo.
Muita gente, entretanto, durante toda a década de 1980, nunca entendeu a razão e o porquê de eu não estudar com D. Dulce, numa escola conceituada e pegada com a minha casa. A resposta é muito simples: é que eu comecei a estudar com o professor José Miranda desde pequenininho, tendo ainda como professoras Carminha e Severa, suas irmãs, e participando, inclusive, da turma inicial de sua então primeira escolinha, em 1978. Chegando, enfim, a concluir no mesmo estabelecimento de ensino, embora que em prédios diferentes, o antigo 1º grau, em 1988 (saudades dos meus antigos professores: Maurício Xavier, atual vice-prefeito; Chiquinho; Armando; Kiel; Gilson; Marluce; Hilda...). Os anos que estudei na Escola Universal do Prof. Miranda foram, certamente, os melhores anos já vividos.
Por outro lado, se eu estudasse no Colégio MDB, eu já não iria poder “aprontar” com a mesma frequência. Acreditava que tão logo poderia fazer amigos e, na verdade, eu preferia mesmo era conservar algumas inimizades por ali. É inconcebível pensar assim, mas na época isso me dava uma satisfação incrível.
Porém, em 1982, Dona Dulce resolveu implementar uma turma primária em seu colégio, o que acabou não dando nada certo. E nem para mim, que fui orientado por meu pai, por “livre e espontânea pressão”, a sair de “Zé Miranda” para estudar numa classe com alunos misturados, de séries diferentes, onde cada um tinha um apelido. Era uma verdadeira classe de excluídos. Figuras como Roniclay, Edgley (Guêga, in memorian) e “Preá” estudavam comigo. Eu só tinha 9 anos e já entendia que aquilo não ia dar certo. Perdi, portanto, o ano letivo.

Essa criaturinha feia e desengonçada sou eu aos 07 anos de idade, logo após um desfile do Dia 7 de Setembro. Ao fundo, meu pai iniciando o seu comércio ainda na casa velha.

       Bem antes disso, aos sete anos de idade, eu tive ainda uma breve passagem pelo Grupo Escolar José Tavares, situado no centro, numa experiência econômica que o meu pai impusera a mim e à minha irmã mais velha, Luciana (meu pai sempre errou tentando acertar). Foram apenas três dias, não dando muito certo essa transferência de colégio. Já naquela época, as escolas municipais como esta eram muito deficientes no ensino, beirando a precariedade (escola pública, como diria a personagem de uma novela das 7, é a treva). Brincadeirinha...
Por sua vez, quero lembrar aqui, novamente, João da Cruz Pinto, meu amigo “Da Cruz”, pai do meu amigo Cássio e irmão da minha amiga Cassiana. Ele que era o terror das escolas queimadenses e, ainda por cima, um “cliente” assíduo e um tanto respeitado do Colégio Maria Dulce Barbosa. Mas a sua frequência era basicamente à noite, às escondidas e na surdina (?)
Num gesto de extrema delicadeza para com quem se encarregava da limpeza, ele gostava por demais de utilizar os lavatórios da escola como privada, deixando sempre a sua “marca registrada”. E não poupava sequer os vidros dos basculantes, com suas “balieiras” sempre apontadas pro alvo. Era o canhoto mais certeiro que eu conhecia. João, na verdade, fazia tudo aquilo que ninguém tinha coragem de fazer e só ficava na vontade.
Por fim, entre tantas molecagens e peraltices, típicas de crianças superativas e pré-determinadas a um futuro diferente, acredito que as minhas “vaciladas”, sem querer agora defender-me, eram das mais inofensivas. Aprende-se errando.

Continua...

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