terça-feira, 18 de dezembro de 2012

POSTAGEM ESPECIAL - 2 ANOS DO BLOG

                           MEMÓRIAS IMEMORÁVEIS...

Para comemorar hoje, dia 18 de dezembro, os dois anos do BLOG LITERÁRIO – E INTERDISCIPLINAR – PAULO SEIXAS, apresento aqui a primeira sequência de poemas do meu debochado livrinho (projeto) – MEMÓRIAS IMEMORÁVEIS DA ÁGUA PURA. São relatos confidenciais de um humilde entregador de água mineral (esse que vos fala) que “ralava” muito no Rio de Janeiro durante essa época, mais precisamente, entre os anos de 2003 a 2007. E o "palco" dessa empreitada era o depósito de águas ÁGUA PURA, localizado no LEME, zona sul do Rio, que me serviu ainda como fonte de inspiração. Confiram e Boa diversão!


MEMÓRIAS
IMEMORÁVEIS


DE CERTO FUNCIONÁRIO
(ENTREGADOR)
DA
ÁGUA PURA
A SUCURSAL DO INFERNO


Paulo A. Vieira
  RIO DE JANEIRO,  
  JULHO/2006. 
 



Nascer pobre é pedir para sofrer
Sabendo disto é que eu gostaria
De ser pobre somente um dia
Porque a vida toda é de doer.
Mas que castigo eu fui merecer
Estou pagando por algum pecado?!
Viver pra sempre assim, humilhado
Com esse destino que me conduz,
Será que atirei pedras na cruz?!
Vai pro inferno, azar desgraçado!
                                                        
                                                      Paulo A. Vieira
 


À D. Márcia, Mazinho (apesar de tudo), Eric Riboredo e a toda “peãozada” que deu o sangue trabalhando na Água Pura. Acreditem: Eu era feliz e não sabia...
  


ÍNDICE

·          NA “ÁGUA PURA” É ASSIM .... - Pág. 07
·          LAMENTO DE UM ENTREGADOR  - Pág. 15
·          A VERDADE ABSOLUTA - Pág. 23
·          SAÍDA VETADA - Pág. 27
·          S.O.S. - Pág. 28
·          RETORNO INFELIZ - Pág. 29
·          NEGÓCIO FRUSTRADO - Pág. 33
·          O ÚLTIMO SUSPIRO - Pág. 35
·          O ENTREGADOR DE AÇO - Pág. 43



O operário cada vez se empobrece mais quando produz mais riquezas.
(Karl Marx)




NA “ÁGUA PURA” É ASSIM...


Há trabalho que se suporte
Outros do tipo “ainda se atura”,
Há trabalhos que levam à morte
Ou que fazem beirar a loucura.
- Desafie então a sua sorte
Trabalhando na Água Pura!

Um serviço um tanto arriscado
De tão pesado, até desespera,
Imagine um triciclo quebrado
Descendo a mil numa banguela;
Pode deixar o sujeito acamado
O crânio rachado e as costelas.

Uma fábrica de gerar doente
Seja peladura ou arranhão,
Coluna não há quem aguente
É muito esforço e contusão.
E ainda se pode ficar contente
Quando não quebra garrafão.

Para cada garrafão quebrado
Eis que surge uma cena ingrata;
No salário já vem descontado
Pelo empregador sangue de barata.
É o entregador sendo maltratado
Tal qual um cachorro vira-lata.

Nem Jesus Cristo no calvário
Sofreu tamanha humilhação,
Em sua época não havia otário
Que trabalhasse por comissão;
O justo deveria ser um salário
Mais porcentagem em cada galão.

Pra compensar o trabalho extra
Que há de sempre aparecer,
Desacompanhado de gorjeta
Fazendo o entregador sofrer;
Lavar garrafão de madame besta
Sem ter caixinha é de doer.

É a “caixinha” que fortalece
O salário do trabalhador,
Tem gente que até se esquece
Do direito de um entregador,
Que faz por onde e merece
Uma moeda de qualquer valor.

Lembrando aqui uma raça
Existente no Rio de Janeiro,
Certamente a pior desgraça
E que abrange o mundo inteiro.
Nenhum entregador aguenta
Essa racinha tão nojenta
Que é a do “pirangueiro”.

Um miserável que faz conta
Da moedinha de 1 centavo,
Merece mesmo levar uma ponta
Não passa de um corno safado.
Um filha da puta, um “mindingo”,
Deixa de ir à missa aos domingos
Para não ter que dar um trocado.

Pode até parecer loucura
Gostar de um lugar assim,
Ser entregador na Água Pura
É buscar o seu próprio fim,
Um trabalho que é a mistura
Daquilo que há de mais ruim.

Mas o Diabo que se condena
Não é tão feio como se pinta,
Tem dias que até vale a pena
Fazer entregas, mas não se minta:
Tem que haver feriado em cena
Ou que o mês seja de trinta.

Um trabalho onde não há patrão
Talvez por isso até seja bom,
Ruim é descarregar caminhão
Ir pra Botafogo ou Leblon,
E ainda ter que limpar chão
Uma invenção do Seu Ision.

Sem essa de lavar banheiro
Entregador não é escravo,
Isso é serviço de faxineiro
E pra isso ninguém é pago;
Acrescentem mais dinheiro
Ou a faxina fica de lado.

É do Mazinho essa obrigação
Não faz nada o dia inteiro,
Só vive a soprar garrafão
Em perturbação é o primeiro;
O seu diploma de musculação
Procure usar no banheiro.

O entregador que se preza
Vive reclamando a toda hora,
Pede acordo, chora e reza,
Implorando pra ir embora.
Desenganado, até Deus despreza,
Rogando ao Diabo uma melhora.

Até porque ser despedido
Isso é caso de muita luta,
Nem que alguém tenha ofendido
Algum cliente filha da puta.
No entanto, vem logo o castigo,
Um “Leblon” bem sacudido
Como uma espécie de multa.

Não é à toa que um Fulano
Que sequer vem trabalhar,
Consegue ficar quatro anos
Empregado neste lugar.
Aqui se aceita todo mundo,
Safado, vigarista, vagabundo,
Basta apenas saber pedalar.

O sofrimento só é constante
Para quem decide encarar,
Aquele novato, o iniciante,
A qualquer hora pode rodar.
Somente a carteira assinada
É a garantia confirmada
De quem pretende bagunçar.

Tantos por aqui já passaram
Alguns sequer completaram o dia,
Mas em sua passagem deixaram
Um rastro de sangue e agonia.
Hoje, enfim, os que escaparam
Encontram-se loucos ou se deparam
Em alguma sala de psiquiatria.

Dos que começaram o ano
Resta a metade da demanda,
O velho Jorge do Turano
O Karlão da Nova Holanda,
E o Marcelo Manjubinha
Morador lá da Rocinha
Que “faz água” pra caramba.

Tem o “Berone” Marcha-Lenta
Trabalhando clandestino,
Haroldo Bucha, ninguém aguenta,
Só sabe viver dormindo,
E o André, sujeito sem futuro,
Uma briga de foice no escuro
É mais bonita que ele rindo.

E o narrador deste fatos
Que não se esconde na história,
Testemunha de alguns atos
Que hão de ficar na memória,
E que jamais esquecerá a loucura
De haver pisado na Água Pura
Uma prisão sem escapatória.

No fim, a liberdade prevalece,
Apesar de muito se lamentar,
Trabalhou na Água Pura não esquece
Vez ou outra se pensa em voltar.
É um castigo que ninguém merece,
Mas a gorjeta que fortalece
É um incentivo para retornar.

Dê seu sangue por este lugar
Que haverá de se arrepender,
Faça o seu nome se destacar
Que vão fazer você sofrer,
E se ficar em 1º no placar
Não vá depois se lamentar
Das dores que irão lhe ocorrer.

              RIO, JUNHO/2003 

              Continua...

2 comentários:

  1. Muito bom Paulo, Realmente a vida de um entregador de "Água Pura" não é fácil, fiquei surpreso com o fato do entregador fazer uma tarefa de faxineiro. eu acredito que isso não ocorre somente nessa profissão, é uma exploração muito grande! Quanto ao cordel gostei bastante e aguardo a continuação...

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  2. é cada história...
    mas a história se repete.
    se repete na história de cada indivíduo.
    se repete na hisatória de indivíduos semelhantes, de seemelhates heranças.

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