quinta-feira, 10 de julho de 2014

MEMÓRIAS IMEMORÁVEIS - PARTE VIII - FINAL

               MEMÓRIAS

  IMEMORÁVEIS
DE CERTO FUNCIONÁRIO
(ENTREGADOR)
DA
ÁGUA PURA
A SUCURSAL DO INFERNO
                                                               
                                                                                                                PARTE VIII - FINAL 


O ENTREGADOR DE AÇO

Foi na falta do que fazer
Que ontem me pus a lembrar,
De um “peão” bom pra valer
E a sua história eu vou contar.
Trata-se de um “coroa”,
Um sujeito gente boa
Que não tem medo de ralar.

Nunca aqui, na Água Pura,
Houve um caso parecido,
Um exemplo de bravura
E de um homem destemido.
Ele tem mais de “quarenta”
E o “véi” ainda aguenta
Encarar esse suicídio.

Vai gostar de trabalhar assim
Lá pras bandas da “Baixada”,
Encarar esse serviço ruim
E nunca reclamar de nada,
Recebe de mim um elogio:
Entregador assim, no Rio,
Merece um patrão camarada.

Para encarar essa jornada
E ainda morar tão longe,
É preciso ter fé na parada
E uma paciência de monge.
Preguiço com ele não tem vez,
Só de pensar na entrega do mês
Tem “neguim” que até se esconde.

Todo dia, podem acreditar,
Antes mesmo de o sol nascer,
Ele já começa a se levantar
E nunca falta o que fazer.
Arruma-se, prepara a marmita,
Escova o dente lá na “bica”
E numa prece se põe a dizer:

- Senhor, muito obrigado
Por mais este dia de ação.
À noite, mesmo cansado,
Farei uma outra oração.
Para “Nossa Senhora da Caixinha”
Me aproximar mais das velhinhas,
Mas só as de bom coração!

E corre para pegar o trem
Lá pelas quatro da manhã,
Não espera por mais ninguém,
“Voa” que nem avião da TAM.
Antes, toma um café com “broa”,
Dá um beijinho na “patroa”,
Aquela que é sua maior fã.

E quando o galo vem cantar
Esse “véio” já está a caminho,
Sem ter com quem conversar,
Às vezes, ele viaja sozinho.
E finalmente chega à Central,
Pega um ônibus da Real,
Já com dois sacos de lanchinho.

E às seis horas, sempre fiel
Ele chega em Copacabana,
Atravessa a Princesa Isabel,
No boteco toma uma “cana”,
E se prepara pra mais um dia,
Cheio de gás e correria
Para levantar uma grana.

Mas aí começa uma espera
Da qual ele não pode fugir:
Fica na porta de sentinela
Esperando o Mazinho abrir.
E o tempo vai se passando,
Os outros “peão” vão chegando,
Uns a chorar, outros a sorrir...

Esse é o “Antônio Virgulino”,
Um descendente de Lampião,
Caboclo, forte, desde menino,
Lá pelas quebradas do Sertão.
Um paraibano macho e valente
Que faz inveja a muita gente,
Por sua garra e determinação.

Quando criança não pôde estudar,
Mas felizmente aprendeu a ler.
Nas entregas sabe se virar,
Nome de rua dá pra entender.
Porém, se vê algo diferente,
Ele vem, pergunta pra gente;
Um segundo não pode perder.

Ele até já deixou de almoçar
Por uma entrega lá no Leblon,
Como crente que vive a pregar,
Para ele tudo sempre está bom.
Carreto recusado pela gente,
Para ele é como um presente;
Seu “Toin” nunca perde o tom!

E se alguém se descuidar
Ele toma a vez na moral,
Fura a fila sem se desculpar,
Tudo na maior cara de pau.
Seu Antônio é mesmo um barato,
Com aquele seu bigode de rato
E com aquela cara de mau.

Encara um caminhão carregado
Como se estivesse brincando,
É forte como um boi de arado
E tem disposição até sobrando.
Para acompanhar esse coroa
Tem que ter a saúde muito boa,
Ou alguém vai sair reclamando...

A sua fama de olho grande
O incomoda um pouquinho,
Pois ele não é um muquirana
E tampouco um cara mesquinho.
E essa sua correria desesperada,
Além de prejuízo, não dá em nada,
Como puxar o saco de Mazinho.

E Seu Antônio já aprendeu
Que o bom é ficar na moleza,
E também já se convenceu
Que é melhor fugir da brabeza.
Carreto longe até o Diabo teme,
A preferência é ficar pelo Leme,
Tapeando com muita esperteza.

Enfim, vou por aqui encerrar,
Desse testemunho não abro mão.
Só pra esclarecer, devo lembrar:
Tudo o que falo é de coração.
Estou certo de que finalmente
Encontrei um grande concorrente
Que merece minha consideração.

                                     RIO, 02/MARÇO/2008



                              AGRADECIMENTOS 
      
        A Água pura foi para mim uma espécie de “Faculdade” no Rio de Janeiro, uma verdadeira lição de vida, um lugar onde eu realmente aprendi muita coisa. Principalmente, a “abrir os olhos”, ficando mais esperto diante das maldades da vida.
       Brincadeiras à parte, agradeço o “aprendizado forçado” que tive ao longo desse período (2003 a 2007), convivendo com pessoas tão diferentes e de níveis tão desiguais, desde o simples empregado até o alto empresário.
      O trabalho em si era pesado e de certa forma, até desumano, nunca quis me enganar. Mas serviu-me de alerta para que eu buscasse algo de melhor na minha vida. Na verdade, ainda estou buscando.  



Entre fevereiro de 2003 a janeiro de 2009 
(a partir de 2007, fazendo alguns bicos extras) 
eu entreguei nada menos que 41.613,5
águas na Água Pura / Leme / Rio de Janeiro.


2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Pelo que foi mostrado aqui, esse senhor só podia mesmo ser um super homem, rsrsrsrsrs...

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