quinta-feira, 28 de junho de 2018

O BALLET DA ORTOGRAFIA


       "Às vezes quero dizer que saí e mandam botar acento no 'i', porque se tirar o acento quem sai não sou eu, é o outro - e é aí que está a diferença. Falam-me em ditongos, em hiatos, em dissílabos e proparoxítonas - palavras que me trazem amargas recordações de uma infância cheia de zeros. Quando vou a uma festa, nunca sei se devo dançar com 's' ou com 'ç'. Só depois dos primeiros passos é que percebo que quem 'dansa' com 's' não sabe dançar. E quem não sabe dançar fica cansado, com 's', pois só analfabeto se cansa com 'ç'. Buzina é com 'z', mas quem pode me garantir que se eu 'businar' com 's' ninguém vai ouvir? Caçar é com 'ç', mas também tem cassar, com 'ss' - mas isso se explica: caça-se um bicho e cassa-se um documento. Só não se pode cassar o documento de um sujeito que esteja caçando sem documento. Que a língua portuguesa tem seus truques, lá isso tem: o próprio truque brasileiro, com 'que', é uma adaptação do truc francês, provando que o truque brasileiro tem um certo 'q'. Mas isso não impede que o balé brasileiro seja dançado em francês, pois a palavra 'ballet' impressiona mais, tanto que a usei no título. Mas vamos deixar isso pra lá, que é falando que a gente se entende e não escrevendo."

        Retirado do livro "O homem ao cubo", de Leon Eliachar (um dos melhores Jornalistas de humor da imprensa falada e escrita).

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