"Às vezes quero dizer que saí e mandam
botar acento no 'i', porque se tirar o acento quem sai não sou eu, é o outro - e
é aí que está a diferença. Falam-me em ditongos, em hiatos, em dissílabos e
proparoxítonas - palavras que me trazem amargas recordações de uma infância
cheia de zeros. Quando vou a uma festa, nunca sei se devo dançar com 's' ou com
'ç'. Só depois dos primeiros passos é que percebo que quem 'dansa' com 's' não
sabe dançar. E quem não sabe dançar fica cansado, com 's', pois só analfabeto
se cansa com 'ç'. Buzina é com 'z', mas quem pode me garantir que se eu
'businar' com 's' ninguém vai ouvir? Caçar é com 'ç', mas também tem cassar,
com 'ss' - mas isso se explica: caça-se um bicho e cassa-se um documento. Só
não se pode cassar o documento de um sujeito que esteja caçando sem documento.
Que a língua portuguesa tem seus truques, lá isso tem: o próprio truque
brasileiro, com 'que', é uma adaptação do truc francês, provando que o truque
brasileiro tem um certo 'q'. Mas isso não impede que o balé brasileiro seja
dançado em francês, pois a palavra 'ballet' impressiona mais, tanto que a usei
no título. Mas vamos deixar isso pra lá, que é falando que a gente se entende e
não escrevendo."
Retirado do livro "O homem ao
cubo", de Leon Eliachar (um dos melhores Jornalistas de humor da imprensa
falada e escrita).
Perfeito, excelente.
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